segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Visão da Gaveta Enferrujada do Reino da Pedra Burocrática

(...) e alguns sabem que não é preciso procurar muito tempo para encontrar, dentro da Gaveta Enferrujada, entre os bonecos dos loucos, dos bêbados e das atrizes, um carimbador patético. Ele facilmente se torna ridículo e se embriaga com qualquer porção efêmera de. Você pode notar tranquilamente que ele sofre da síndrome do pequeno poder. Como um cabo setenta borra-botas, fica mergulhado em sua jornada histérica de autoridade: com seu carimbo, despacha porções extras de amendoins para os bons-moços listados na planilha de Normas Técnicas e Bom Comportamento da Reunião da Comissão Setorial de Planejamento e Distribuição de Comidas com Flavorizantes.

O carimbador patético é um pobre-diabo, hipnotizado pela repetição robótica de seus gestos esvaziados de qualquer sentido, qualquer bom senso. Ele põe em movimento uma farsa deliberada: ao carimbar as fichas dos participantes da reunião contemplados com as porções extras de amendoins, finge para si mesmo que seus gestos são importantes e organizam os desordenamentos do mundo. Aos ajustados, amendoins.

Os bêbados, os loucos, as atrizes não recebem amendoins extras, entregam os amendoins regulares e se divertem com a cena toda: como um bando de galinhas no confinamento, os ajustados bicam os grãos, com um riso de felicidade comprada no supermercado, corredor nove. Para o carimbador patético, e apenas para ele, isto soa como um juízo final, como um julgamento no qual ele é senhor. Mesmo sem ter idéia alguma de como trazer vida e mágica para seu dia estéril, entre amendoins. O carimbador patético nunca viu o amendoim na terra, uma plantação. Apenas repete os gestos para os quais finge ter vocação: confere os pacotes de porções extras, confere os cadastros com os históricos dos participantes. E carimba, carimba, carimba.

Ficou lambendo as solas dos sapatos do poder, considera que alcançou um excelente posto de trabalho, não precisa fazer mais piadas sem graça enquanto enche um copo com água, tem direito às porções extras de amendoins e ainda usa seu carimbo durante toda a jornada de trabalho – mas também fora dela. Afinal, qual a graça de ser um carimbador patético apenas na Gaveta Enferrujada do Reino da Pedra Burocrática? O carimbador não conversa com os loucos e bêbados e não trepa com as atrizes, mas sente-se vivo enquanto toca o carimbo na almofada de tinta e depois desce com força sobre as fichas cadastrais. Os idiotas herdarão os amendoins: o carimbador patético vive para cumprir isto. Os loucos, as atrizes e os bêbados dançam durante dia, tarde e noite, vivos, com uivos. O carimbador patético come amendoins.