domingo, 19 de maio de 2013

prosa do umbigo (16h20)

essa febre, essa febre.
garganta inflamada.
sou teimoso, nervoso.

minha mãe com enxaqueca,
segui com ela, febril, para
a emergência. depois foi
minha vez. a médica
nem me olhou no olhos.
um xamã chora pela falta
de sensibilidade e afeto.

em casa, à noite, suor frio,
peso, dor, sufoco, agonia no peito.
falo sinceramente com krsna que dança,
jesus sorridente, buda da compaixão.
sempre tive medo de meu coração.

acordo bem, até vomitar, ficar pálido,
lavado de uma cachoeira terrível e triste
de meu próprio corpo dolorido, aviso.

com braços dormentes, eletrocardiograma
esquisito, enzima cardíaca cem vezes além
do que convém, choro, medo, oração feita
na hora pela melhora do corpo e d'alma:

"cuida de mim, mamãe terra.
cuida de mim, papai sol.
beijem meu rosto calmamente.
perfuma minha mente, girassol."

eu de pé, com fé, fazendo piada
sobre alienígenas e mistérios da ciência,
estava ali, infartado. meu espanto,
espanto dos médicos com seus olhos
assustados para o sujeito risonho
dizendo que jogaria futebol
e daria cambalhota.

cateterismo feito, chegou a vez
da mente descansar dos saltos
do peito, a mente feito vespa
assustada, mãos agarradas
nas mãos de minha mãe amada.

apredizado da paciência, foi
preciso aguardar o ecocardiograma.
um dia, dois, três, o medo, quatro, cinco.
o silêncio, o conforto materno, o silêncio,
o mantra repetido baixinho, um ninho
de passarinho azul batendo, batendo, batendo.

gel no peito, sala fria, pessoas quentes
e bondosas. desta vez, médicos e enfermeiras
parentes de pajés e xamãs: me olhavam
nos olhos, sabiam meu nome, construiam
pontes de energia de compaixão, torcida,
fé, almas caridosas trabalhando muito além
dos níqueis do cassino. eu, coração ameno
desde menino, novamente menino, misturando
medo e esperança, querendo escrever e cantar,
dançar na chuva feito criança novamente nascida.

vi meu coração em preto & branco,
como um bebê no ventre da mãe.
forte, movimentado como um oceano
cheio de doce ímpeto, perto do esperto
cenário da energia bondosa, vida nova.

o tempo inteiro, a cabeça atenta, ativa.
não foi gordura, sendentarismo, ou qualquer
coisa parecida. a cannabis sativa me levou
pra muitas viagens, mas desta vez foi uma
passagem para uma morte ritual: infarto.
este foi meu novo parto, novo nascimento.
pensamento voando no firmamente, singrando
por nove céus, descendo fundo nas raízes das árvores.

infarto, parto, passagem, ritual.
uma viagem em que fui e voltei.
para andar no caminho do bem,
para ficar zen, para sorrir e chorar
para corar e pintar o mundo com
piadas e poemas, sem receio de problemas.

tudo é grão, tudo é grão. somos um.
eu continuo por aqui, comendo cajá,
acerola, carambola, jambo, caqui.

no sangue da terra viva, me movo.
meu sangue se mistura ao cosmos.

nasci de novo, agora.

definitivamente um macaco
doido e feliz movido
por amor & água.

gratidão, gratidão.

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